Publicidade é a única área que trabalha com criatividade cujos profissionais se autodenominam criativos.
Carnavalescos, cineastas, músicos, pintoras, escritoras, poetas, atrizes, grafiteiros não se chamam de criativos, apesar de todas e todos serem.
O publicitário sim. ”Sou o criativo do lugar x” ou “Sou a função em inglês-criativa da empresa y”
Claro, não existe problema algum em se auto-adjetivar uma pessoa criativa.
O problema está em uma indústria que dá sinais de esgotamento criativo, se torna repetitiva, ao ponto de se tornar cover de si mesma, e agora apela para novidades artificiais que pouco ajudam a construir uma ambição criativa maior.
A tônica das campanhas hoje é chamar atenção pela atenção, a notícia pela notícia. Se antes, campanhas pautavam cultura e expressões publicitárias entravam para o vocabulário popular, hoje nos contentamos e ficamos felizes em apenas “furar a bolha publicitária”.
Argumenta-se que não há campanhas memoráveis como antigamente pela mudança e fragmentação do consumo de mídia, mas a real é que poucas ideias sobreviveriam em outro cenário midiático.
Quem diz isso não sou eu, mas sim David Droga que é ainda mais ácido*:
“The world sees marketing as just the attention side of things, shouting and disruption. And what doesn’t help is the majority of marketing is shit. I mean, it really is, let’s be honest. The death of our industry was the lazy and formulaic nature of what we did”
Tradução livre: “O mundo vê o marketing apenas pelo lado da atenção das coisas, pela gritaria e disrupção. O que não ajuda é que a maioria do marketing é uma merda. Vamos ser honestos, é mesmo. A morte da nossa indústria foi a natureza preguiçosa e estereotipada do que fazemos”.
O fato da indústria continuar branca, masculina, classe média alta, sudestina, com as mesmas referências (muitas vezes apenas publicitárias) também contribui para este cenário.
É muito Justin Timberlake para pouco Renan Inquérito, Tássia Reis e Thiago El Niño.
A AdAge* também apontou para queda na qualidade das ideias, mas trouxe fatores como prazos curtos, falta de confiança na relação cliente-agência e fadiga pós-pandemia.
Em um mundo corporativo que diz gostar de estratégias de longo prazo e vive fazendo sprints de 5 dias, precisamos nos perguntar, como apontou Rob Campbell*, se o que rola é falta de organização ou falta de saber valorizar a criatividade por quem está no marketing.
A publicidade como indústria, ao contrário de outras áreas, utiliza a criatividade como meio, mas me parece que vende um produto mei-capenga: dados da System1* apontam que dos U$750 bilhões gastos em publicidade globalmente, apenas 6% de fato é eficaz. A JKR/Ipsos* também mostrou que 85% dos investimentos em marketing são feitos em assets que não são reconhecidos como distintivos – ou seja, grana jogada no lixo. Relatório de um estudo da Havas* mostra que se 75% das marcas desaparecessem hoje ninguém sentiria falta.
Como disse Les Binet e Karen Nelson Field*, a indústria não pensa profundamente – ou pelo menos seriamente – sobre o que produz e seus efeitos para marcas e negócios no longo prazo.
Desta forma, reforça-se aquilo que não se é ou não se entrega.
O Brasil não é um país criativo por conta dos prêmios que ganha em festivais de publicidade. O brasileiro é criativo porque a criatividade de quem tem poucos recursos é gigantesca, mas a publicidade brasileira não gosta de ver essa galera nos corredores de agências e empresas. Prefere a galera que possui títulos, nomeações e precisa bradar aos quatros ventos que é criativo.
Como diria a dupla que nunca se chamou de criativa Vinicius de Moraes e Baden Powell:
“O homem que diz sou, não é. Porque, quem é mesmo, não diz”.