Uma dura verdade sobre a mentira na publicidade

Esse é um texto sobre a mentira que precisa começar com a verdade: me baseio em texto de Francisco Alencar, lá de 2013, que já me inspirei mais vezes do que deveria e nunca paguei royalties.*

Executivos de publicidade estão entre os profissionais menos confiáveis do país. Atrás apenas de políticos e ministros do governo.**

Pelas notícias diárias, policiais e juízes não são os melhores exemplos de confiança,  ainda assim são mais confiáveis do que executivos publicitários.

Talvez tenha sido em  algum escândalo de corrupção em licitações estatais que publicitários entraram para lista, porém lembro que a publicidade sempre foi mitomaníaca, característica de quem tem compulsão por mentiras.

Algumas mentiras são divertidas, como quando o app de relacionamentos Match traz Satã em um date com sua companheira, 2020. A gente sabe que as personagens não existem, mas é engraçado ver um Satã respeitando os limites de distanciamento no período da pandemia ou uma 2020 tentando puxá-lo para igreja.***

A maioria é pouco engraçada. Quando uma marca diz que seu produto “vale por um bifinho” e tenta associá-lo ao desenvolvimento saudável de uma criança, há claramente uma tentativa de enganar pais e mães (e muitos deles acreditaram).

Ou, para trazer um exemplo atual, quando uma marca troca o canudo plástico por papel, mas não conta que canudos plásticos representam 1% de todo plástico nos oceanos e que 90% dos deles são provenientes de 10 rios****. Ou seja, trocar a matéria prima pode aliviar a consciência, mas individualizar a questão de um problema sistêmico deseduca e agrava aind mais o problema, principalmente quando essa marca é uma das maiores poluidoras do planeta.*****

O fato da publicidade mentir o tempo todo faz com que a verdade tenha uma potência enorme. Ela é cada vez mais rara, mas quando acontece ninguém fica indiferente. Quando a Beats Dr. By Dre pergunta “Você ama a cultura negra, mas você me ama?” tem uma verdade fortíssima sobre a influência da cultura negra e racismo nos Estados Unidos.

Só que a publicidade e publicitários mentem tanto que, em um determinado momento, começaram a acreditar nas próprias mentiras e espalharam para além do produto criativo (mentiroso): 

  • Contratos entre empresas e agências que não são cumpridos.
  • O lucro da agência feito através da capitalização de recursos importantes para o bem estar de funcionários.
  • Funcionários contratados 100% do tempo, mas divididos entre duas ou três marcas. 
  • A mulher que virou diretora, mas ganha o mesmo que o homem Gerente.
  • O trabalho de diversidade que está fazendo reparação histórica, mas não tem pessoas negras, pcds e trans discutindo as regras criadas para beneficiar homens brancos.
  • A pesquisa com consumidores feita com pessoas da própria agência.
  • O social listening com dois tuítes que mostram que a internet inteira está falando sobre um determinado assunto (deixado em negrito para nos mostrar que o tuíte foi pesquisado exatamente com aqueles termos).

A lista é longa, mas é importante frisar que mentira é mentira. E é nociva para qualquer relação entre pessoas, empresas e marcas. Normatizar a mentira nas relações é compactuar com um sistema que adoece mental e fisicamente as pessoas e tem na mentira um dos instrumentos para sua manutenção.

Me parece que publicitárias e publicitários se importam pouco em estar na lista de pessoas pouco confiáveis do país, mas se queremos um mercado mais saudável precisamos rever e questionar as mentiras presentes nos processos diários para que possamos ter uma relação mais transparente e verdadeira. Não só nos produtos criativos. 

*Fonte 1: https://web.archive.org/web/20120919234819/http://unplanned.com.br/rede-unplanned/o-texto-da-mentira-de-verdade/

**Fonte 2: https://www.ipsos.com/pt-br/professores-cientistas-e-medicos-sao-os-mais-confiaveis-para-os-brasileiros 

***Fonte 3: https://www.youtube.com/watch?v=YPq23RWpgPM

****Fonte 4: https://waste-management-world.com/materials/the-top-plastic-polluters/

*****Fonte 5: https://www.scientificamerican.com/article/stemming-the-plastic-tide-10-rivers-contribute-most-of-the-plastic-in-the-oceans/

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